“Meu nome é Amanda Rocha, terminei a EFOMM em 2019 e atualmente pratico em um Research Vessel da empresa OceanPact. No meu navio trabalho com AUV (Veículos Autônomos Subaquáticos), que atualmente é a tecnologia mais avançada para o tipo de atividade que exercemos. A minha embarcação possui bastantes estrangeiros: americanos, indonésios, argentinos e muito mais! O que me fez lidar com pessoas das mais distintas nacionalidades e religiões, além disso, tive o desafio de ser a única mulher da tripulação. Algo que diferencia bastante a minha embarcação é que trabalhamos muitas vezes sem o oficial de náutica e máquinas, o que faz com o que os praticantes recebam muito mais autonomia e responsabilidades que acredito serem comuns neste período. Esse conjunto de experiências, que hoje compartilho um pouco com vocês, estão fazendo da minha praticagem um momento de grande crescimento pessoal e profissional que com certeza lembrarei com carinho pro restante da vida!”
Até qual nível considera que a Escola contribuiu para a praticagem tendo um conhecimento prévio já considerável?
A Escola contribui mais do que a gente pensa, vivenciei situações, em que lembrei de coisas que nem sabia ter aprendido, mas vale ressaltar que a praticagem ainda é um momento de aprendizagem, por isso é tempo de estudar e aprender assuntos novos à medida em que as situações de bordo demandem um conhecimento que, por ventura, você não tenha.
Além do conhecimento acadêmico, acho que a escola nos treinou para muita coisa, como, por exemplo, tirar serviço de madrugada, ter aquele sentimento que eu deveria estar me exercitando, agora não é pro TAF (Teste de Aptidão Física), mas pela sua saúde mental, ou até mesmo a sermos pessoas “safas”, pois assim como na EFOMM, as programações a bordo mudam na velocidade da luz e temos que dar um jeito de nos adaptar.
Qual foi uma casualidade a bordo que mais exigiu conhecimento e precisão até agora?
Enquanto pilotava vivenciei situações em que foram importantes ter em mente: as regras básicas do RIPEAM (Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar) para evitar qualquer tipo de acidente, além de traçar rotas, saber reconhecer os principais equipamentos do passadiço e de salvatagem, tudo isso é esperado que o praticante já saiba e, de resto, todos ali têm o entendimento de que estamos neste período para aprender e não precisamos saber de tudo, a única coisa que esperam da gente é vontade de fazer.
Qual a melhor maneira para lidar com a saudade da família nos dias em que o sentimento aperta?
A melhor maneira é tentar se desligar ao máximo do mundo exterior enquanto estiver no navio. Não fique imaginando o que estaria fazendo ou com quem estaria se não estivesse a bordo, mergulhe de cabeça no seu trabalho e aja como se aquele fosse o único mundo que existe. Obviamente, algumas vezes é difícil fazer o que estou dizendo, quando passei Natal e Ano Novo foi impossível não desejar estar com a família naquele momento, mas eu tento focar no quanto sou sortuda por estar vivendo o que eu sempre sonhei e deixo o sentimento de gratidão ser maior que o de saudades.
Como foram as primeiras semanas a bordo?
Acima de tudo foram desafiantes, seu corpo precisa se acostumar com o balanço do navio e, no meu caso, a trocar dia pela noite pois trabalhava de madrugada. Você ainda precisa decorar onde cada parte da sua embarcação está localizada, isso sem falar na quantidade de afazeres que nos são passadas, é muita informação nova para absorver ao mesmo tempo, mas junto ao frio na barriga também vem a sensação de felicidade à medida em que a gente vai dando conta e vendo que é capaz, recebi mais responsabilidades e autonomia na primeira semana do que eu pensava que iria receber e de certa forma foi muito gratificante.
Como descreve o sentimento após terminar os 3 anos de EFOMM e estar praticando em breve portando o diploma de 2ON?
Ao olhar pra trás sinto um alívio por ter finalizado a EFOMM com êxito e, no presente, sinto-me privilegiada por já estar praticando e por ter me identificado com a vida de bordo. Por fim, quando penso no futuro sou a mais otimista possível, vejo um mercado muito bom atualmente e com tendência de crescimento nos próximos anos. É um misto de ansiedade pelo salário de oficial e de gratidão por já fazer o que amo.
Há algum curso/estudo, o qual faria ao longo dos 3 anos de formação na EFOMM para complementar no preparo pra bordo?
Uma dica ao meu ver é que o mais importante pra ser um bom profissional no quesito conhecimento técnico não é saber todas as respostas, mas sim ter uma boa visão geral sobre onde encontrá-las. Tudo que é realizado numa embarcação foi antes previsto em alguma publicação ou procedimento interno, então se eu tivesse que priorizar o que estudar eu dedicaria um tempo para conhecer os tópicos das principais publicações que norteiam nosso trabalho, pois quando qualquer dúvida surgir no dia a dia, facilmente você será capaz de saná-la ainda que não saiba a resposta de cabeça e por mais simples que isso pareça muita gente fica perdido quando precisa de alguma informação por não saber onde procurar.
Alguma dica para quem está prestes a embarcar possa aproveitar ao máximo esse período de aprendizado?
Ir de braços abertos para abraçar a experiência que você irá vivenciar, seja ela boa ou ruim, nem sempre tudo vai ser perfeito, mas é necessário você tentar olhar o lado positivo. Tem que ser humilde para aprender, do marinheiro ao comandante, qualquer um ali tem muito a nos ensinar e no geral tentar cultivar um bom relacionamento com todos. Inevitavelmente trabalhar em isolamento social mexe com psicológico então se esforçar para tornar seu próprio trabalho mais leve é o grande segredo para se dar bem.
Teve algum dia a bordo que se sentiu muito feliz e realizado pelo trabalho que estava exercendo?
Todos os dias, sem exceção. Primeiro porque acho a operação do meu navio sensacional, então me sinto sortuda por fazer parte de uma coisa que considero grande. Segundo, eu gosto de estar em contato com a natureza, trabalho de madrugada, então por volta das 5 da manhã já estou exausta, mas quando vejo o nascer do sol em alto mar, aquela imagem é tão linda que renova minhas energias não importa o quão difícil meu dia tenha sido, naquele minuto eu me sinto feliz simplesmente por estar ali.
Um conselho para quem está no terceiro ano e ainda está confuso em qual área almejava praticar/trabalhar?
Primeiro é ter o entendimento que atualmente dificilmente quem começa em navio migra para o offshore e vice-versa, então tem que ser uma escolha bem pensada pois vai influenciar seus próximos anos. Segundo, é colocar na balança os prós e contras e ver o que mais se encaixa com o estilo de vida que você deseja viver, no fundo, isso é uma decisão pessoal que não existe resposta correta.
Como é sua rotina a bordo?
Meu navio opera 24 horas por dia, a gente nunca para! Meu horário de serviço é de 18h às 06h de segunda a segunda! A gente trabalha muito, tiro serviço no passadiço apenas com o imediato, o que para mim é ótimo, pois acabo recebendo bastante autonomia para ficar de fato pilotando a maior parte do tempo e assim manobro bastante. Além disso, a gente é responsável por uma gama de documentação: existem as documentações que devem ser preenchidas e enviadas para a empresa diariamente e outras que são feitas aos poucos e enviadas no final do mês e isso acaba sendo responsabilidade do praticante, é também a gente que atualiza as cartas e publicações náuticas à medida em que os Avisos Aos Navegantes são publicados, e somos responsáveis por questões relacionadas a salvatagem do navio. A gente realiza inspeções diárias em diversos equipamentos, também promovemos os diálogos diários de segurança com toda tripulação, ajudamos sempre na abertura das permissões de trabalhos que são documentos, cujo objetivo é analisar todos os riscos que uma atividade pode promover e mitigá-los a fim de que a segurança do navio seja sempre mantida, enfim, essas e outras atividades são feitas na rotina de bordo, trabalho não falta!
Como está sendo para manter firme as saúde física e mental?
Na rotina do offshore a gente trabalha muito, então é essencial se preocupar com essas questões, acho que cada um tem que ter sua válvula de escape e dedicar tempo a ela mesmo quando estiver muito cansado. Eu, particularmente, medito quase todos os dias e tento correr na esteira o máximo de vezes durante a semana, além de ouvir música sempre que posso e conversar com aqueles que amo.
Sentiu-se acolhida pela tripulação logo que chegou a bordo?
Eu me identifiquei muito com a minha tripulação, também tive a sorte de praticar junto com um dos meus melhores amigos, o que ajuda demais nos momentos difíceis em que precisamos desabafar. No geral, acho que a bordo as pessoas estão sempre dispostas a ajudar e isso te faz sentir acolhido.
O Jornal Pelicano agradece à PON Amanda Rocha por compartilhar conosco um pouco de sua experiência a bordo e deseja bons ventos e mares tranquilos.