Anualmente, cerca de oitocentas mil pessoas em todo o mundo tomam a última e mais dolorosa decisão de suas vidas. A cada mês, mais de mil brasileiros e brasileiras deliberadamente abrem mão da própria existência no desejo de encerrar um ciclo de angústia, desesperança e sofrimento. Apesar da subnotificação dos dados oficiais, a morte autoprovocada, ou suicídio, é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, ficando atrás apenas dos acidentes de trânsito. Uma pandemia silenciosa, uma guerra interior que destrói sonhos, planos e, principalmente, famílias. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é uma tragédia predominantemente juvenil, masculina e ligada a transtornos mentais. Entretanto, não se restringe a este recorte, uma vez que também acomete notavelmente grupos em condição de vulnerabilidade social, como LGBTQIA+, refugiados e pessoas privadas de liberdade. Notando a urgência dessa situação e a série de limitações e incertezas inerentes à vida a bordo, o Jornal Pelicano e a Diretoria Sociocultural da SAMM julgaram imprescindível a produção desta matéria inédita, a fim de esclarecer eventuais dúvidas e abrandar inquietações dos colegas e seus familiares, bem como dos demais aquaviários. Para isso, entrevistamos quatro profissionais marítimos (uma Praticante de Náutica, uma Oficial de Máquinas, um Chefe de Máquinas e um Comandante) sobre tópicos relativos ao Setembro Amarelo e transtornos mentais, pois entendemos que a melhor maneira de prevenir é informar.
Nosso primeiro entrevistado é o Comandante Ricardo Monteiro, que desembarcou há pouco do Navio Tanque (NT) Dragão do Mar, no qual exercia a função de Capitão de Longo Curso:
Na sua opinião, é responsabilidade do líder de uma equipe de trabalho zelar pela harmonia nas relações interpessoais e pela saúde mental de seus colaboradores ou são fatores de dimensão individual?
Comte. RM: Não só é uma responsabilidade como também é uma obrigação. O líder deve agregar valores e isso é feito no dia a dia de bordo. O líder que se relaciona com seus colaboradores, aqui no caso a sua tripulação, consegue manter a harmonia e disciplina a bordo. Representados pelas funções do Comandante, Imediato e Chefe de Máquinas, os líderes devem se mostrar presentes nas rotinas do navio participando ativamente com a tripulação e buscando sempre a melhoria contínua. De forma pessoal, costumo conversar com os tripulantes dentro do seu local de trabalho, seja de forma profissional ou pessoal. Nisso acabo descobrindo problemas internos e externos que, com o passar do tempo, poderão contribuir para problemas mentais e psicológicos dos mesmos. Ao descobrir problemas dessa natureza, procuramos trabalhar uma forma para resolver tais ocorrências recorrendo, às vezes, para auxílios externos. Agora, é importante que cada colaborador, individualmente, busque relações interpessoais amigáveis, tanto na solução de problemas como no sentido de criar ideias que venham a agregar melhorias a bordo ou no seu local de trabalho.
Há no meio marítimo um dito, de tom sordidamente jocoso, que ao se avistar um par de chinelos abandonado no convés próximo à borda livre deve-se soar o alarme de homem ao mar imediatamente, fazendo alusão a um suposto procedimento padrão dos suicidas embarcados. Na vida real, há alguma preparação/treinamento psicológico dos funcionários? Como é a visão das empresas em termos de assistência emocional e as condições de tratamento de eventuais transtornos mentais? Em sendo necessário, é razoavelmente facilitado o desligamento do empregado de sua atividade profissional? Já soube de casos onde isso tenha ocorrido?
Comte. RM: Confesso que atualmente, no nosso meio marítimo, não há uma preparação ou treinamento para tratar da parte psicológica de funcionários embarcados. Contudo, existem meios para tratamentos quando se detecta que determinado funcionário está com problemas dessa natureza. O Comandante deverá buscar soluções para que o mesmo efetue seu desembarque o mais rápido possível para tratamento em setores existentes dentro de uma empresa. As empresas possuem serviços assistenciais, com pessoas preparadas, como psicólogos, assistentes sociais, médicos do trabalho, além de convênios com planos de saúde que possuam tratamentos psiquiátricos. Na minha vida profissional, já tive vários casos de desembarques de tripulantes para tratamentos em decorrência de transtornos mentais. A grande maioria, após procedimentos em centros especializados, retornara posteriormente às suas atividades de trabalho. Infelizmente, uma minoria continua hoje em tratamento que se arrasta por anos. Outros casos, foram remanejados para trabalhos em outras atividades em terra.
De acordo com a literatura que consultamos antes desta entrevista, muitos aquaviários consideram sua atividade profissional como transitória, limitada a “fazer um pé-de-meia” até que estejam estabelecidos financeiramente e possam constituir uma família com tranquilidade. Nesse contexto, o senhor acredita que é viável tal planejamento de carreira? Esse tipo de idealização ainda é predominante nos ambientes marítimos? Na sua opinião, qual a melhor forma de lidar com eventuais frustrações profissionais e quebras de expectativas?
Comte. RM: Quando comecei minha carreira, também tive esse pensamento de fazer o “pé-de-meia” e procurar outras atividades. Lá se vão 23 anos de carreira, onde cheguei à função de Comandante, na categoria de Capitão de Longo Curso. Percebo que isso é relativo, alguns seguem carreira, outros acabam saindo da vida do mar. Com exceção de alguns marítimos, a grande maioria segue embarcada. A gente acaba acostumando e gostando da vida no mar, sem falar que o salário é bem melhor para quem está iniciando a carreira, em comparação com outras profissões. No próprio navio onde já comandei, tive marinheiros e pessoais de guarnição com nível superior. Por exemplo, trabalhei com um Condutor-Bombeador, que são Sub-Oficiais, formado de Advocacia (com autorização da OAB para exercer a profissão). No caso de surgirem colaboradores que percebem que a profissão de marítimo não era o esperado, vindo a se tornar uma frustração, o que sempre faço é ter uma conversa com o mesmo e procurar demonstrar os benefícios da carreira e o quanto a sua atividade é essencial para o desenvolvimento da nação. Muitas das vezes o distanciamento social, a saudade dos familiares e a falta de informações são os fatores que contribuem para as frustrações. Quando o líder percebe esses acontecimentos, novamente o setor social da empresa deve ser acionado, para que futuramente isso não venha a se tornar um problema mental.
Na sequência apresentamos a entrevista com a Praticante a Oficial de Náutica Gabriela Amorim:
Como está sendo sua praticagem em relação ao seu equilíbrio psicológico/emocional? Houve alguma experiência estressante ou traumatizante contigo ou com algum colega?
PON GA: Como eu já estou há um tempo sem praticar devido ao Covid-19, isso atrapalha sim psicologicamente! Fico preocupada com esse tempo sem praticar, o tempo que vai demorar a praticagem. E quando estava a bordo nem todos os dias são bons, quando chegam as últimas semanas você vai ficando mais estressada, ansiosa. Mas não tive nenhuma experiência traumatizante e nem estressante especificamente.
Quais são as habilidades sociais e psicológicas mais importantes para um(a) candidato(a) a nauta? Qual o papel da inteligência emocional no desempenho da função de homem/mulher do mar?
PON GA: Acredito que tem que ter muita paciência e sabedoria. Porque você pode ouvir qualquer tipo de coisa, que nem sempre você vai concordar e você precisa saber como e o que falar pra não acabar criando um desentendimento. As pessoas têm costumes diferentes e você precisa saber lidar com isso, entender. Saber se controlar emocionalmente é muito importante porque você vai estar longe das pessoas que você ama, com dificuldade de comunicação e os dias lá são bem exaustivos: tirar serviço de madrugada ou por bastante tempo direto. Por isso que ter um controle emocional te ajuda, pra ficar mais calmo, menos ansioso e ao mesmo tempo não perder o desempenho. Conseguir dar o seu melhor mesmo estando cansado psicologicamente.
Durante as últimas décadas a profissão de aquaviário tem gradualmente absorvido mão-de-obra feminina em seus postos de trabalho. Pelos relatos aos quais tivemos acesso em palestras aqui na escola, não são raros os episódios de abuso moral ou sexual direcionado às funcionárias mulheres. Estes eventos seguramente têm efeitos psicológicos, podendo inviabilizar a carreira da profissional, acometê-la de transtornos mentais, além de criar um âmbito de relações profissionais improfícuo. Atualmente, como é feito o combate às atitudes discriminatórias a bordo e, na sua opinião, quais as possíveis soluções para um ambiente de trabalho mais acolhedor para as mulheres mercantes?
PON GA: Eu não passei por nenhuma situação de discriminação feminina a bordo. Já ouvi sim conversas machistas entre eles (colegas) e nesse caso você tem duas opções, se impor e falar sua opinião, explicar que não funciona daquela forma ou simplesmente abstrair o que eles estão falando e continuar fazendo o seu serviço (isso só se eles não tiverem falando diretamente de você, se tiverem, você tem sim que se impor). Se houver discriminação a bordo, as empresas costumam dar a liberdade da mulher falar com o pessoal de terra pra isso poder ser resolvido. Eu acho que quanto mais mulheres estiverem presentes em cargos importantes e altos na hierarquia seja a bordo ou em terra, mais os homens nos respeitarão e teremos mais voz.
Vamos conferir a opinião do Chefe de Máquinas Marcelo Batista do Carmo:
Nas embarcações que o Sr. trabalhou, há infraestrutura de lazer e descontração disponíveis para os funcionários? Em geral, como a tripulação usufrui de seus períodos de descanso?
Chemaq MBC: Nas embarcações que eu trabalhei tínhamos internet com Wi-Fi, TV por assinatura, academia, baralho, jogo de damas e xadrez, no camarote sistema de som, frigobar e grande parte da tripulação fazia uso de todos esses recursos principalmente academia e rede social. A maioria dos tripulantes quando terminam a sua escala de serviço ficam muito cansados e acabam dormindo. A rotina é muito cansativa e desgastante pois basicamente se resume a trabalhar comer e dormir.
Nas últimas décadas a tecnologia da comunicação evoluiu muito, ainda assim, bastantes embarcações não contam atualmente com sinal de internet e telefonia de qualidade. Na sua experiência, como tem sido contatar seus familiares e amigos nos seus momentos de descanso enquanto embarcado?
Chemaq MBC: Tenho trabalhado na área marítima desde o final da década de 80. Desse tempo até os dias de hoje muita coisa mudou e fico feliz em dizer que para melhor, antigamente ficávamos um ano embarcados para poder tirar férias, eu mesmo já fiquei 13 meses embarcado, não tínhamos direito à internet pois não existia e também nenhum tipo de lazer e entretenimento a bordo mas muita coisa mudou e para melhor. Nossa geração conquistou muita coisa e cabe às gerações futuras melhorar ainda mais a nossa marinha mercante. Pois cada um de nós tem um dever e um papel fundamental na melhoria, evolução e excelência dessa instituição. Com o passar do tempo a internet via satélite vai ficar mais barata e consequentemente as empresas poderão aumentar a velocidade de transmissão de dados e melhorar ainda mais a comunicação dos marítimos embarcados com seus entes queridos. Toda profissão tem suas dificuldades, com a marinha mercante não é diferente. Quando escolhemos este caminho para as nossas vidas temos que nos preparar e nos adaptar a esse novo estilo de vida. Tenho certeza absoluta que é possível ser marítimo e também ser feliz. Acredito que o que temos que fazer é tentar nos adaptar a esse estilo de vida e com certeza é possível. Tanto empresas quanto os centros de formação e instrução têm a missão de preparar os profissionais, não somente de forma técnica, mas também apoiando e preparando o marítimo para o que está por vir no que tange ao lado emocional. Quando tomamos a decisão de ser marítimos precisamos nos adaptar a esse novo estilo de vida e também adaptar nossos familiares para que tanto nós quanto eles estejamos preparados para viver esse estilo de vida e as dificuldades de comunicação.
A última entrevistada é a 2OM Renata Vasconcelos, pós graduada em psicologia de grupo pela Unyleya:
Sabe-se que a atividade marítima demanda elevada responsabilidade e capacidade de trabalhar sob pressão; além de ser intrinsecamente estressante, dadas as condições peculiares de confinamento, jornada de trabalho e afastamento do convívio social/familiar. Tais circunstâncias podem acarretar transtornos mentais como ansiedade, depressão, síndrome do pânico e até mesmo enfermidades psicossomáticas. Na sua visão, há alguma maneira de o aluno da EFOMM se preparar durante sua formação acadêmica para esses desafios que estão por vir?
2OM RV: Costumo dizer que a matéria mais importante do primeiro ano é RIT (Relações Interpessoais). Infelizmente ela é passada de uma maneira que quase nada consegue ser assimilado. Ser empático, ter inteligência emocional e ser flexível são qualidades muito importantes na vida do profissional embarcado. Hoje eu vejo que um aluno que realmente queira se preparar pro convívio a bordo tem que se empenhar em ler muito sobre esses assuntos que eu descrevi acima e também ter apoio de uma terapia psicológica desde a escola (pois podem existir coisas mal resolvidas da vida de uma pessoa que viram uma bomba relógio quando ela está confinada). É muito comum encontrar oficiais que precisam de acompanhamento psicológico a bordo, que já deveria ter sido feito muito antes, mas a pessoa – por ignorância – não faz e influencia todo o ambiente de bordo.
Em virtude do limite de idade para o processo de admissão da EFOMM (18 a 23 anos), há entre nós, estudantes que nunca tiveram a oportunidade de experimentar o mercado de trabalho. Que dica a senhora daria a esses alunos na questão da resiliência frente as eventuais frustrações no trabalho e de assumir suas próprias responsabilidades profissionais?
2OM RV: Sobre a resiliência: todo mundo erra. Tem dias que nada dá certo. Tem dias que parece que a gente acorda com o pé direito. As oscilações de humor num ambiente de confinamento ficam muito mais aparentes, isso é fato. Mas é importante entender que você não é o superman/mulher maravilha. Você não vai acertar sempre, ou resolver todos os problemas do navio. O mundo também não gira em torno de você: se o colega não está num dia bom, de repente o problema é com ele e não com você. Aprender a separar o problema dos outros dos meus foi um grande desafio que eu tive quando embarquei. Pelo fato de ser muito imatura, sentimental e ser muito empática, muitas vezes tomei as dores dos outros ou achei que algo era relacionado a mim sem sê-lo. Hoje eu sei entender quando eu estou “pirando” ou quando é real. Sei quando o problema é alheio às minhas capacidades. Mas isso requer treino e muita vontade de melhorar. Quanto a assumir as próprias responsabilidades, é entender que dali que vem o seu sustento. É aquilo que te faz ter uma vida melhor, e se você não assumir que lá dentro o seu serviço deve ser executado da melhor maneira (pelos motivos citados acima), outro vem e assume o seu lugar. Com o tempo a gente aprende a zelar pela nossa reputação profissional. Mas para ter zelo, primeiro tem que ter motivação. A pergunta que eu acredito que deve ser feita é: “tô embarcado(a) porquê?”. Isso que me fez entender o sentido do que eu estava fazendo e, consequentemente, assumir responsabilidades (ou ter uma postura mais madura) dentro do meu trabalho.
É possível deixar os problemas pessoais “em terra” no momento do embarque a fim de se dedicar integralmente às atribuições que o serviço exige?
2OM RV: Olha… Depende dos problemas pessoais e do suporte que você tem em terra. Eu, graças a Deus, tenho uma família que me dá muito suporte. Tenho um exemplo pessoal: meu pai passou muito mal com uma crise renal durante a pandemia e eu estava embarcada, sem data pra desembarcar. Minha mãe me informou no navio, mas como eu não tinha data pra desembarcar e ficar pensando no que poderia acontecer em terra era perigoso pra mim (afinal de contas, com a cabeça longe aumenta o risco de se acidentar), pedi que ela cuidasse do que fosse necessário e não me ligasse mais. Avisei a chefia e me mantive de pé o resto do embarque (que durou quase 50 dias). Fiquei preocupada? Sim. Mas a minha confiança em quem estava em terra me ajudou a suportar o tempo que eu teria que estar longe. Parece frio o que eu estou dizendo, mas o que eu penso sempre que tenho que embarcar com algum problema em terra é: “Se não resolvi até agora, embarcada num vou resolver.”. Outra coisa que eu penso quando recebo alguma notícia ruim é: “Aqui eu não vou resolver nada e desembarcada (dependendo do problema) muito menos.”. Mas isso é algo pessoal, acredito. Por isso que, como falei na primeira pergunta, costumo dizer que o profissional embarcado tem que ter acompanhamento psicológico. Às vezes chamar um terapeuta pelo “zap”, já ajuda a colocar a cabeça no lugar.
A seguinte pergunta foi feita a todos os entrevistados:
Se o(a) Sr(a) pudesse mandar uma recomendação em relação à prevenção de transtornos mentais a bordo a todos os aquaviários, empresas, agências reguladoras e de saúde envolvidas na atividade comercial marítima, qual seria?
Comte. RM: A primeira e a que considero principal seria das empresas participarem mais das vidas dos colaboradores para prevenção de transtornos mentais, cumprindo as determinações vigentes atuais. Como exemplo, posso citar o seguinte: se uma empresa não cumpre o tempo determinado para o desembarque de um tripulante, com certeza posso dizer que isso contribuirá para que o mesmo futuramente venha a ter transtornos mentais, uma vez que terá vários fatores interferindo, tais como: pressão dos familiares, um planejamento que teve que abortar, uma viagem que teve que cancelar, perda de receita, gastos inapropriados e por aí vai. Uma boa recomendação que poderia sugerir seria das empresas adotarem um serviço de assistencial espiritual. Ao longo da carreira, vi pessoas com transtornos mentais a bordo, que tinha caráter espiritual. Cito o exemplo de um tripulante que se trancou no camarote e gritava que estava vendo espíritos e que iria se suicidar. O melhor a fazer foi conversar com o mesmo, de forma espiritual, com preces, rezas e orações para que o mesmo pudesse se acalmar. Deu certo nesse caso. Esquecemos que os transtornos também podem ser espirituais, das quais um assistente religioso como Capelão (que pode ser padre, pastor, espírita etc) foi formado para lidar com esse tipo de problema. Não conheço nenhuma empresa que tenha esse tipo de assistência. Porém, como Comandante, depois que passei por esse tipo de problema, resolvi buscar ajuda de um colega que é Capelão, que interage até hoje com o navio em que embarco. O resultado disso é que deu certo. Os tripulantes buscaram esse tipo de assistência, não só para resolverem problemas, como também para conversar ou solicitar conselhos ou auxílios.
PON GA: As empresas têm criado projetos de igualdade social, racial e de gênero e isso tem mudado o comportamento das pessoas a bordo. Acho importante sempre ter isso e cada vez mais conscientizar as pessoas a bordo, seja em palestras, reuniões ou simplesmente um aviso em e-mail. Acho que a recomendação que esses setores fossem mais integrados, que tivesse mais conversa entre eles pra que eles pudessem entender como funciona a bordo. Muitas das vezes o pessoal de terra impõe algumas coisas que não cabem a bordo, que fica inviável e isso acaba levando ao estresse. Se tivesse mais diálogo e mais participação, o serviço andaria melhor. E o relacionamento a bordo e entre os setores iria ser mais harmonioso
Chemaq MBC: Logo no início da minha carreira aprendi uma lição valiosa que é: nunca questione ou entre em conflito ou se revolte com qualquer coisa durante o período que você estiver embarcado. Faça isso quando você estiver em casa. Todas as decisões que você tiver que tomar faça isso quando estiver em casa. A partir do momento em que você se propôs a embarcar, aceite a realidade e cumpra sua missão. Pensamentos, questionamentos, dúvidas e decisões devem ser tomadas no período de folga. Aprenda a lidar com as diversidades pois quando estamos embarcados lidamos com pessoas de diversas nacionalidades, regiões e culturas. Acredito que toda empresa de navegação ou mesmo de offshore deveria ter um departamento de apoio psicológico, pois nosso ramo de atividade tem um desgaste muito grande. O confinamento mexe muito com as pessoas e nem todos suportam, temos que ficar atentos a possíveis companheiros que estejam em situação de angústia é sofrimento. Assim que identificarmos estresse, ansiedade ou até mesmo depressão temos que tentar ajudar e ser participativo no processo de apoio até chegarmos em terra para que este companheiro possa ter a devida assistência necessária. Mas o mais importante de tudo é que nós temos que nos manter unidos tanto para conquistas quanto para apoio aos nossos companheiros. A unidade é o que nos faz fortes. Muitas gerações passaram pela marinha mercante e todos deixaram uma valiosa contribuição. Cabe aos que estão chegando continuarem e também deixarem o seu legado.
2OM RV: Que façam uma campanha de conscientização para que o marítimo saiba que ele pode procurar um psicólogo sim. Psicólogo não é pra maluco, ou pra gente com problemas somente. Nós vivemos uma vida muito diferente e, muitas vezes, pouco compreendida. Terapia é o melhor presente que nós podemos nos dar.
Como notamos pelos depoimentos generosamente cedidos, transtornos de humor são relativamente habituais no desenvolvimento da carreira marítima. Por isso, é fundamental que prestemos ostensiva atenção a quaisquer alterações de humor contínuas e/ou indícios de comportamento suicida em pessoas ao nosso redor, bem como manter consciência ativa de nossos próprios sentimentos. Se você acredita que possa estar com algum sintoma de depressão ou demais transtornos psicológicos, procure ajuda profissional imediatamente. Caso se sinta confortável, converse com alguma pessoa de sua confiança. Se nenhuma dessas opções lhe parecer possível ou razoável, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio gratuito online e sigiloso via chat, e-mail e linha telefônica (188), além de centros presenciais em algumas regiões. Quanto antes você percebe que há algo errado com o seu navio, mais tempo se tem para evitar uma tragédia.
Não há sofrimento que dure para sempre. Sua vida importa. Você não está só.
Edição e texto: Al. Saraiva e Al. Julia Zandomingo
Arte: Al. Erica