O Jornal Pelicano teve a oportunidade e o prazer de entrevistar Luciano Alvernaz, ex-aluno da turma de 1997 e que hoje atua como responsável pelas negociações de contratos da Maersk na Europa Mediterrânea e MENA, após uma longa carreira a bordo e em terra. Agradecemos profundamente pela atenção e pela receptividade! Segue na íntegra a entrevista.

JP: Você ingressou na EFOMM em um momento que a Marinha Mercante vivia (ou saía) daquela que é considerada por muitos como a maior crise de sua história. Mesmo tendo ciência disso, o que motivou você e seus companheiros de turma a ingressar e acreditar que a profissão marítima seria promissora?

Luciano: Minha motivação e referência veio primeiramente do meu pai, que é Oficial Superior de Máquinas e trabalhou nos principais estaleiros do Rio de Janeiro por quase 40 anos. Durante os anos 90, ainda existia campo de trabalho à bordo de armadores nacionais para a quantidade reduzida de formandos anuais do CIAGA e CIABA. O retorno financeiro era diferenciado para a época se comparado com outras profissões mais disputadas, até porque todo o negócio de OIL&GÁS começava a se desenhar de forma promissora no Brasil e principalmente no Rio de Janeiro. Enquanto isso, multinacionais da navegação começaram a trocar suas operações com agências terceirizadas por escritórios próprios, abrindo também outras opções de carreira. Isso tudo foi impulsionado pelo Plano Real, iniciado em 1994, ano que ingressei na EFOMM.

 

JP: Como foi o seu estágio embarcado? Como ele contribuiu para o seu futuro na parte profissional?

Transroll Navegação S.A. (Foto: Navios e Portos)

Luciano: Eu estagiei na Transroll, empresa brasileira e especializada em cargas roll-on/roll-off e navios porta-contêineres, que faziam cabotagem e longo curso. Me foi oferecido estagiar na linha Brasil – Europa dessa companhia, aonde comecei como segundo piloto já aos 21 anos. Ter escolhido o ramo de contêineres para começar a carreira e conhecer de perto as operações de terminais no Brasil e Europa, foi vital para minhas futuras escolhas e possibilidades profissionais.

 

JP: Como foi sua trajetória acadêmica depois da EFOMM? Quais seriam os caminhos possíveis para alguém que pense em se tornar executivo em termos de educação?

Luciano: No meu caso, escolhi construir minha trajetória por execução. Isso quer dizer que o campo de mercado no qual escolhi ingressar, me deu a bagagem inicial necessária para construir minha carreira como planejada, já que o nicho é bastante específico. Obviamente que depois de fazer parte do mundo corporativo, a capacitação adquirida e ministrada internamente nas grandes empresas em que trabalhei foi totalmente voltada para liderança, negociação e para gerar capacidades de execução. Aconselho o investimento em MBAs e outras formações acadêmicas disponíveis, já que te proporcionam uma visão mais geral de mercado.

 

JP: Ao ler sobre suas funções nas empresas em que trabalhou, percebi que você atua em um ramo de trabalho pouco comentado aqui na EFOMM: a área de Shipping. Então, como contratador de terminais do maior armador do mundo, o que podemos assimilar de conhecimento sobre essa função e outras semelhantes?

Luciano: A Maersk escala com seus serviços 110 terminais em todo mediterrâneo e com serviços marítimos com rotas e gastos diferentes. O custo operacional é obviamente um dos fatores principais que influenciam no preço de um frete marítimo e consequentemente, na competitividade do produto da companhia. Cada terminal demanda uma estratégia de negociação, tendo em consideração os 26 países que meu time tem sob responsabilidade. Existem países onde é mais fácil de negociar como Itália, Portugal, Turquia, Espanha e países mais complexos como Israel, Egito, Líbia, Argélia, Eslovênia, etc. Dentro desses contratos, negociamos diversas tarifas de serviços necessários. Total de serviços contratados sob minha responsabilidade e do meu time, é U$ 1.2 bilhões anuais.

 

JP: O que se espera de um profissional do ramo executivo das empresas de Shipping?

Luciano: Se espera principalmente uma grande capacidade de se adaptar às mudanças de estratégia e entregar os resultados esperados. As demandas mudam muito e consequentemente o mercado. É necessário entender o cliente e como controlar custos afetando minimamente as relações comerciais.

 

JP: Que comportamentos seus, no passado, contribuíram para você chegar ao atual cargo?

Luciano: A coragem na tomada dos primeiros passos foi um fator decisivo, pois tive que sair da zona de conforto que estava profissionalmente para trabalhar de terno e gravata, aprender uma rotina e linguajar totalmente novos e incluir uma mudança de cidade na equação (Rio x SP). O meu salário era menos de 50% do que ganhava embarcado, mas eu tive muita confiança que isso era um investimento inicial que eu estava fazendo. Tem outros pontos que posso compartilhar também: o senso de ordem, justiça e união que eu aprendi na EFOMM, eu aplico até hoje em minhas equipes. Essa época de formação é essencial na lapidação da personalidade de cada aluno.

 

JP: Considerando tantas mudanças de cargo nas empresas pelas quais passou, quais foram seus passos até chegar onde está hoje?

Luciano: No final dos anos 90 e com a criação de centros operacionais de grandes armadores de porta-contêineres no Brasil, existiu uma demanda e preferência por contratar oficiais de náutica para atuarem como ship planners. Ou seja, os profissionais com conhecimentos técnicos de estabilidade e navegação, que interagem com os terminais marítimos fazendo o plano de carga e alocando as centenas/milhares de contêineres nos navios, por peso, tamanho e destino final.  Também se leva a responsabilidade pelo “schedule” do navio, já que na maioria das vezes se tem um dia na semana pré-estipulado para a chegada em cada porto (para navios conteineiros) e atrasos ocasionam grandes impactos operacionais em toda a rota. A partir daí fui construindo minha carreira como líder em operações, que além da operação marítima também englobava as complexas operações terrestres e intermodais e manutenção de contêineres. Toda experiência passada naturalmente me levou ao que me dedico hoje.

 

JP: Como todo mercante está sujeito à calmaria e a tempestades, quais condutas foram necessárias para você lidar com situações adversas no relacionamento com pessoas de outras culturas e línguas? E como os estrangeiros tratam e veem os profissionais brasileiros que trabalham no exterior?

Luciano: A Maersk é uma empresa dinamarquesa, multinacional e consequentemente representada por várias nacionalidades. Aqui no Centro Operacional da Espanha também trabalham profissionais da Espanha, Rússia, Itália, Índia, Singapura, México, Turquia, Marrocos, Egito, China, Dinamarca, França e Romênia. Todos têm diferenças culturais e religiosas, mas respeitar essas diferenças e ser profissional é o primeiro passo para que confiem no seu trabalho e que torna sua opinião relevante. Sou muito bem tratado por aqui, e assim como no Brasil, existem profissionais bons e outros nem tanto.

 

JP: Na sua opinião, que tipo de profissional é mais importante ser para se tornar bem-sucedido: diversificar seus conhecimentos, ou ser especialista em uma única área?

Luciano: Boa pergunta! A resposta é: “Depende do que você almeja”. Dentro do Shipping, existem categorias que necessitam uma profissionalização e especialização maior dentro dela, porque só a experiência te formará. A de Procurement é um exemplo. Mas se o seu objetivo é ser um Managing Director de um país, você será um representante comercial que se tiver também conhecimento operacional, de vendas e atendimento ao cliente, seguramente vai te preparar melhor para representar sua empresa diante de um exportador/importador ou de uma Autoridade Portuária, por exemplo. É o que chamamos de generalistas.

 

JP: Para aqueles que são recém-formados (ou estão se formando) e têm o desejo de entrar no mercado de Shipping, que conselhos você daria para se tornarem aptos a ingressar neste ramo?

Luciano: Veja bem, entrar no mercado do Shipping não significa abandonar o propósito da formação na EFOMM. O que você fará continuará trazendo divisas para seu país. É importante reconhecer que o Shipping não é um nicho de trabalho que vai suprimir profissionais do trabalho de bordo porque simplesmente a maioria dos funcionários de armadores é composta de profissionais com formação regulares, como Comércio Exterior, Relações Internacionais, Administração, Economia e Engenharia. Essa mudança é pra mercante que se empenha a se adaptar. Não pense que será mais fácil do que pilotar um navio ou entender a complexidade de uma praça de máquinas. Pela natureza da formação mercante, a porta de entrada em um armador é pelo departamento de operações e nos anos 90/00, dezenas de mercantes ocuparam postos nos armadores no Brasil, mas esse cenário foi se diluindo na medida que as mudanças no mercado trouxeram necessidades de adaptação e visão estratégica. Portanto, meu conselho é que comecem a desenvolver visão corporativa. Isso significa entender porque se executa uma faina e não simplesmente executar. Isso aumentará seu horizonte e capacidade de atuação.

 

JP: Que conselhos você daria para um profissional em início de carreira que tem pretensões de trilhar uma carreira semelhante a sua?

Luciano: Já comecem a se interessar! A nova geração tem muito mais acesso à informação do que tínhamos na nossa época. Você pode simplesmente ir no Google e procurar mídias especializadas em Shipping como Alphaliner, CENTRONAVE (Centro Nacional de Navegação), Guia Marítimo e nos sites das maiores empresas de navegação para entender melhor a dinâmica de cada uma. Outra é: antes de qualquer MBA, domine o inglês. Mas domine a ponto de se sentir confortável em fazer uma apresentação de uma hora para uma plateia multinacional.

 

JP: Seja a bordo ou em terra, a responsabilidade e a pressão são inerentes ao dia-a-dia do marítimo. Existe alguma diferença entre a pressão sofrida a bordo e em terra? Se sim, quais são?

Luciano: Muita diferença. Na minha carreira, a pressão à bordo era mais física devido às operações curtas de navios porta-contêineres e trânsito pequeno entre os portos. Existiam picos de tensão como navegar no Mar do Norte/Golfo da Biscaia com centenas de navios cruzando em mau tempo, mas a minha formação e treinamento foram pra isso. Já no mundo corporativo, o planejamento é longo prazo e minhas decisões fazem parte de uma estratégia que, se não funciona, não gera lucro e os navios saem vazios ou serviços acabam por falta de carga. Existe um acompanhamento grande dos resultados de minha equipe pela matriz e a pressão por otimização de custos é muito intensa. As ligações e trabalho de madrugada foram parte da minha rotina durante dezenas de anos assim como as viagens e exposição à públicos que não conhecia, onde tive (e ainda tenho) que vender um ponto de vista. Tanto à bordo ou em terra, as experiências foram bem intensas e interessantes! Não posso reclamar!

 

JP: Atuando em lugares como o MENA e a Europa Mediterrânea, sobretudo na sua função, o domínio de línguas estrangeiras é de suma importância. O domínio da língua inglesa é tão importante quanto o domínio de outras línguas? Qual é o peso real do domínio de outras línguas além do inglês? O profissional que as domina é mais valorizado por ter esse diferencial?

Luciano: Sim, o inglês é a língua mais importante sem nenhuma sombra de dúvidas. Meu conselho é que antes de pensar em uma terceira língua, o inglês esteja muito bem dominado. Não existe a mínima possibilidade de um profissional ser bem sucedido no mundo corporativo (multinacional) se não falar inglês. E não é simplesmente falar e escrever, mas sim poder argumentar com clareza, entender a mensagem recebida, participar de tele/vídeo conferências e conversar informalmente.

“Você pode dominar o espanhol por exemplo, mas se não falar inglês, estará sempre limitado onde e como pode atuar”.

 

JP: Existe diferença entre o ambiente de trabalho no Brasil e no exterior? Como as empresas enxergam o profissional brasileiro enquanto mão de obra qualificada?

Luciano: Sim, existe diferença. O brasileiro está acostumado à uma rotina pessoal mais laboral que demanda muito e aplica bastante energia no que executa. Culturalmente e historicamente o europeu difere um pouco, visto que os níveis profissionais são muito nivelados e a rotina pessoal é mais fácil. Isso naturalmente gera um ambiente mais equilibrado, o que não significa que produzam menos. Os brasileiros marítimos com mão de obra qualificada são considerados entre os melhores do mundo. Como você deve imaginar, existe muita curiosidade sobre o Brasil no exterior e quando se inicia uma jornada internacional, isso abre muitas portas.

 

JP: Qual o tamanho do mercado de trabalho (tanto no Shipping quanto embarcado) para os marítimos brasileiros no exterior?

Luciano: Sobre o campo de trabalho para embarcados e considerando que a capacitação da EFOMM é internacional, só depende de quão disposto e preparado o marítimo está para aplicar à posições a bordo de armadores estrangeiros. Os navios de Longo Curso da Maersk operam com diversas nacionalidades também, mas com poucos brasileiros na verdade. Para o Shipping, minha sugestão é procurar entender melhor a demanda do mercado nacional e qual a estrutura de um Armador (operações, vendas, finanças, atendimento ao cliente, procurement, etc). O Shipping também engloba Agências, Portos Secos e Terminais Marítimos. Vocês sabem quantos terminais marítimos tem o Brasil hoje? Só em Santa Catarina temos 5 especializados em contêineres. Vai lá no Google e se surpreenda.