O Diário do Pratica traz o depoimento da Praticante de Oficial de Naútica e ex-presidente do Jornal Pelicano, Raquel Amorim. Ela está na fase final de seu estágio e faz um retrospecto de tudo que viveu e sentiu durante sua praticagem. Sejam bem-vindos a bordo!
“Sou a Praticante de Náutica Raquel Amorim e estou escrevendo para o Diário do Pratica para contar um pouco da minha experiência.”
“Final de praticagem. Passa um filme na cabeça: um ano de preparatório, três anos de Escola, um ano de estágio embarcado… Ontem eu fazia a prova de inglês de admissão à EFOMM tremendo dos pés à cabeça, fazia o teste físico achando que não daria nem uma volta naquela pista do CIAGA. Hoje estou às vésperas de me tornar oficial de náutica da Marinha Mercante Brasileira e venho aqui compartilhar com vocês da experiência mais esperada dos tempos de Escola: a praticagem.
Iniciei meu estágio embarcado em março de 2013. Na ocasião, não sabia exatamente o que esperar. Era um misto de ansiedade, alegria, aflição, medo do desconhecido. Embarcaria em um navio por seis meses com pessoas desconhecidas, a não ser pela Luana, da minha turma e praticante de máquinas na época, que embarcou comigo.
Embarquei em uma manhã em Salvador, no LPG Gurupi, navio tanque de gás liquefeito. Uma coisa curiosa foi quando adentrei à superestrutura do navio pela primeira vez e senti o cheiro que tinha ali. Um odor diferenciado, que marcou meu começo de estágio. Foi a primeira sensação, o primeiro sabor da vida no mar.
No primeiro dia senti um leve desconforto estomacal, mas não enjoei. Isso varia muito de organismo para organismo. Dei sorte.
O ápice desses primeiros momentos foi subir para o meu primeiro quarto de navegação no passadiço e dar de cara com uma imensidão de água azul. Foi simplesmente magnífico! Por outro lado, quando foquei a visão um pouco menos no horizonte, vi uma centena de botões na minha frente, radar, GPS… um mar de informações. Lembro que nesse tempo as perguntas eram infinitas e tinha a impressão que nunca teriam fim. Era o início de uma nova escola.
Em alguns dias minha rotina se tornou bem definida. Acompanhava o segundo oficial de náutica no quarto de navegação e, depois dele, nas fainas relativas à segurança e salvatagem, documentação e manutenção dos sistemas. Definitivamente não é pouca coisa. Não existe a sexta-feira de licenciamento ou o domingo de voltar para Escola… todo dia é dia. Dias cheios e dias menos produtivos, mas trabalha-se todos os dias.
Quanto à navegação, fiz cabotagem de São Luís-MA a Rio Grande-RS e longo curso no Uruguai e na Argentina. O navio passava um ou dois dias no porto -até mais- daí, fora do meu horário de serviço (no qual aprendi a controlar a carga), conheci diversas cidades e culturas diferentes. Uma experiência ímpar dentro do próprio Brasil e no exterior.
Por incrível que pareça, uma das maiores dificuldades que encontrei nesse período de estágio foram nas relações interpessoais. A bordo, tudo é mais intenso e as emoções são otimizadas. Lidar com a distância da família e dos amigos e viver em ambiente confinado com pessoas desconhecidas, de diferentes personalidades, não é fácil… É a EFOMM, com o adicional de que você vê aquelas trinta e poucas pessoas todos os dias tendo em cada uma delas uma parte fundamental para o funcionamento do navio. Existem pessoas de todo tipo, com ações imprevisíveis e atitudes, por vezes, deploráveis. Aprender a lidar com esse tipo de coisa, de forma a não prejudicar o conjunto, não é uma tarefa fácil e requer autocontrole.
No início da segunda parte da praticagem as coisas foram mais fáceis. Ainda havia muito que aprender e aprimorar, mas já estava consciente do que esperar. Embarquei em outubro de 2013. O navio era o mesmo e as pessoas também… passei trinta dias em casa, mas tudo estava do jeito que vi pela última vez, mais familiar do que a minha própria casa. Luana não estava mais lá para dividir comigo o camarote então, de certa forma, foi diferente.
Outros anseios perfilaram-se nesse segundo momento. Em especial, como seria o fim. Seriam mais seis meses para completar o estágio de um ano e não me via preparada ainda para ser oficial. Como ironia, achei que o tempo passaria devagar como foi na primeira parte da praticagem, mas, para minha surpresa, ele passou foi muito rápido. E, sem perceber, adquiri segurança e habilidade para desenvolver quaisquer atividades, tendo o apoio e a ajuda dos oficiais como partes fundamentais nesse processo.
Com o tempo, implicitamente, responsabilidades nos são forjadas, de forma que também nos sintamos parte da equipe operacional do navio (e isso é ótimo). Por mais que a responsabilidade não seja do praticante, quando essa pseudo-responsabilidade nos é atribuída, podemos ver o quanto crescemos profissionalmente. Fico imensamente feliz quando olho para trás e comparo aquela imensidão de dúvidas com a segurança que tenho hoje no desenvolvimento de minhas atividades diárias. Existe ainda muito que se aprender (e sempre existirá), mas o medo de talvez não ser capaz de absorver os conhecimentos já não é presente. Tudo é uma questão de esforço e dedicação. Hoje posso dizer que sou plenamente capaz de desempenhar a função na qual estarei habilitada daqui a alguns dias e que alcancei com mérito tudo o que objetivei para esse período de aprendizagem.
E, dizer a vocês, estar às vésperas do fim da praticagem traz à tona muitas incertezas e anseios que antecederam o início do estágio. Contudo, de uma forma incrivelmente agradável, existe a convicção de que o próximo início, o próximo embarque, será pra valer!”
PON Raquel Amorim
